quinta-feira, 14 de outubro de 2010

PROMOÇÃO DE INDEFERIMENTO DE INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO CIVIL - REP 001457.2010.04.000/3

PROMOÇÃO DE INDEFERIMENTO

DE INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO CIVIL



Trata o presente de expediente instaurado a partir do recebimento, pela colega Procuradora do Trabalho Dulce Martini Torzecki, de cópia do auto de infração 019974230, lavrado pela fiscalização do trabalho em 21/09/2010 contra a empresa Rodoviário Ramos Ltda, por suposta violação ao artigo 429, caput, da CLT. Consta do auto de infração que a empresa possuiria número insuficiente de aprendizes.

Pois bem.

O caput do artigo 429 da CLT estabelece que “Os estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a empregar e matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem número de aprendizes equivalente a 5% (cinco por cento), no mínimo, e 15% (quinze por cento), no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional.”

A disposição legal aqui transcrita define claramente que a faixa percentual de 5% (mínimo) a 15% (máximo) incidirá apenas e unicamente sobre o número de vagas ocupadas por empregados cujas funções demandam formação profissional.

A tarefa de definir quais funções demandariam formação profissional sempre foi muito suscetível à subjetividade tanto da fiscalização do trabalho, quanto das próprias empresas, ora pretendendo elastecer, ora diminuir o conjunto das funções sobre a qual seria calculada a faixa percentual mencionada. A definição sobre o conjunto dessas funções, mais conhecida como base de cálculo da cota de aprendizagem, persiste sendo a maior dificuldade enfrentada em relação ao tema.

É preciso recordarmos que o instituto da aprendizagem se constitui, sob a ótica da educação, em mecanismo crucial, ao lado do estágio, para a formação profissional especialmente dos jovens. Mas, por outro lado, não pode servir à precarização do mercado de trabalho, mediante a utilização do instituto para mera obtenção de mão-de-obra barata, muitas vezes em detrimento da abertura de vagas de emprego que asseguram, aos trabalhadores, toda a proteção legal típica desta figura.

É válida, aqui, a lição de Oris de Oliveira, um dos que mais escreveu sobre aprendizagem no Brasil, de que: “(...) somente os ofícios passíveis de se submeterem a uma formação metódica mais prolongada podem ser objeto de um contrato de aprendizagem (...)”. Citando-o, diz Tárcio José Vidotti, Juiz do Trabalho no TRT da 15ª Região: “Ficam afastadas, assim, quaisquer tentativas de aprendizagem em profissões que não demandem qualificação técnico-profissional, como office boy, estafetas, empacotadores, serventes, cortadores de cana-de-açúcar, colhedores de algodão etc” (Introdução à Formação Técnico-Profissional – Teoria geral. Contrato de aprendizagem. Estágio curricular. São Paulo: LTr, 2004. P. 184).

Essas colocações são fundamentais para a compreensão do tema, pois atualmente há uma linha sendo adotada pela fiscalização do trabalho que não apenas é incompatível com os parâmetros legais a respeito da aprendizagem, como também com a própria finalidade desta.

Explica-se.

De acordo com o já citado artigo 429 da CLT, a base de cálculo da cota de aprendizagem é formada pelo conjunto das funções existentes em cada estabelecimento que demandam formação profissional. Se a função demanda formação profissional, como tal entendida aquela “formação metódica mais prolongada”, nas palavras de Oris de Oliveira, então ela integrará a base de cálculo. Se não demandar formação metódica mais prolongada, ou seja, se não demandar a formação profissional suscetível de aprendizagem, então não comporá a base de cálculo, e também não poderá ser objeto de cursos de aprendizagem. Daí a afirmação de Tárcio José Vidotti, antes transcrita, de que “Ficam afastadas, assim, quaisquer tentativas de aprendizagem em profissões que não demandem qualificação técnico-profissional, como office boy, estafetas, empacotadores, serventes, cortadores de cana-de-açúcar, colhedores de algodão etc”.

O Decreto 5.598/2005, que regulamenta a contratação de aprendizes prevista na CLT, oferece alguns critérios para a definição de quais funções demandam a formação profissional e, por isso, estão sujeitas à aprendizagem.

No seu artigo 10, caput, estipula o decreto que, para a definição das funções que demandem formação profissional, deverá ser considerada a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), elaborada pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Além disso, o decreto, no mesmo artigo 10, estabelece que ficam excluídas da base de cálculo as funções que demandem para o seu exercício habilitação profissional de nível técnico ou superior ou, ainda, as funções que estejam caracterizadas como cargos de direção, de gerência ou de confiança, nos termos do inciso II e do parágrafo único do artigo 62 e do § 2º do artigo 224 da CLT.

O problema surge em razão da interpretação que tem sido majoritariamente adotada pela fiscalização do trabalho na utilização da CBO, ao menos na capital do Rio Grande do Sul.

Quando examinamos a CBO, vimos que ela é inconsistente em vários momentos, pois em muitas funções o documento simultaneamente afirma que a função é aprendida na prática, no próprio emprego, mas que integra a base de cálculo, ou seja, que a função demandaria formação profissional para o seu exercício. Por mais simples que sejam as funções, a CBO aponta que demandam formação profissional, mesmo quando a própria CBO, na sua fundamentação, indica precisamente o contrário. Como exemplos, podemos citar desde porteiros e cobradores, até cortadores de cana e office boys, passando por sacristães e operadores de telemarketing.

A opção pela parte da CBO que afirma que a função integra a base de cálculo, mesmo quando a própria CBO sugere o oposto daquilo que afirma, é inconstitucional e ilegal.

Inconstitucional porque desconsidera a essência da aprendizagem, permitindo a utilização do instituto para precarizar ainda mais o mercado de trabalho, ao fomentar a colocação de jovens a trabalhar como aprendizes em circunstâncias estranhas à “formação metódica mais prolongada” que deve orientar o instituto; é igualmente inconstitucional ao impor aos empregadores uma obrigação distinta daquela instituída na lei, pois, em termos práticos, tal interpretação virtualmente transforma a totalidade das funções existentes no mercado de trabalho em funções que demandam formação profissional e que, por isso, integram a base de cálculo da aprendizagem e, assim, a obrigação de contratar no mínimo 5% de aprendizes, consideradas as funções que demandam formação profissional, passa a ser a de contratar no mínimo 5% de todas as funções existentes, indistintamente. Cria-se obrigação sem lei, o que viola a garantia constitucional do artigo 5º, inciso II, da Constituição da República. Tal interpretação é ilegal porque desconsidera que o artigo 429 da CLT, ao prescrever que a base de cálculo da cota de aprendizagem será constituída das funções que demandam formação profissional, reconhece que há funções que não demandam formação profissional, algo que a CBO virtualmente desconhece, pois, como já assinalado, tal documento, elaborado pelo MTE, estipula que praticamente todas as funções integram a base de cálculo, mesmo quando a própria CBO reconhece que a função é aprendida na prática, independentemente de qualquer treinamento teórico.

Por isso é que a CBO deve ser “considerada”, tal como o estipula o Decreto 5.598/2005. A expressão “considerada” significa que ela deve ser consultada e interpretada, e compreendida com cuidado e ponderação.

Neste ponto, é extremamente útil o artigo “Os Parâmetros Para a Fixação da Cota Legal de Aprendizes”, de autoria da Auditora Fiscal do Trabalho Roseniura Santos, da SRTE/SE.1

Transcrevemos a seguir a parte do artigo que nos interessa particularmente, inclusive com as corretas conclusões da autora:



A Classificação Brasileira de Ocupações (CBO)

A CBO foi elaborada com base na estrutura do modelo da Classificação Internacional Uniforme de Ocupações (CIUO), de 1988, da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Como definido pelo Ministério do Trabalho e Emprego, a Classificação é o documento uniformizador do reconhecimento, da nomeação e da codificação dos títulos e conteúdos das ocupações do mercado de trabalho brasileiro. É ao mesmo tempo uma classificação enumerativa e descritiva. A CBO é,em suma, instrumento de unificação de informações e facilitador de levantamento, análise e divulgação de dados tanto para o setor publico quanto para o setor privado.

A classificação foi elaborada pelo Ministério do Trabalho e Emprego em colaboração com um vasto número especialistas e instituições renomadas para espelhar o mais fielmente possível o mercado nacional. Ilustrativamente vejamos o grupo n. 7170 (ajudantes de obras civis / servente) cuja elaboração requereu a participação de 19 especialistas e ABC Demolições e Sucatas Ltda, Construtora Moreira Ortense Ltda, Cooperativa Prestadora de Serviços Multidisciplinares no Estado de Goiás (Mundcoop), Eletroenge Engenharia e Construções Ltda; Later Engenharia Ltda, Poligonal Construtora e Incorporadora Ltda, Prumus Construtora e Empreendimentos Ltda, Secretaria Municipal de Obras de Goiânia , Companhia de Obras e Habitação do Município de Goiânia (Dermu-Compav), Sousa Andrade Construtora e Incorporadora Ltda e o SENAI como instituição ancora.

Este grande número com pequenas variações se repetem nos outros milhares de grupos de ocupações. A pluralidade de sujeitos dá à CBO uma riqueza singular quanto à qualidade das informações. Por outro lado, a unificação da redação de diversos textos derivados de sujeitos distintos conduz a justificáveis inconsistências redacionais como se constata na análise de algumas hipóteses adiante analisadas.

Registre-se que perceber tal aspecto não desmerece a qualidade e o significativo avanço da nova classificação. No entanto, a constatação deste fato autoriza sim inferir que a CBO deve ser considerada como meramente indicativa e que exige também um processo de análise para aplicar as normas legais pertinentes à aprendizagem.

Outro ponto que deve ser ressaltado é a amplitude da extensão da codificação. A estrutura da CBO é hierárquico-piramidal e constituída de códigos e títulos, sendo composta de: (1) 10 grandes grupos (GG), (2) 47 sete subgrupos principais (SGP), (3) 192 subgrupos (SG) e 596 grupos de base ou famílias ocupacionais (SG) que agrupam 2.422 ocupações e cerca de 7.258 títulos sinônimos. Donde inquestionavelmente decorrem certas imprecisões.

A definição das funções que demandam formação profissional passa a passo

A CBO carece de contínua avaliação e estudo para venha a espelhar o mais fielmente a realidade do mercado de trabalho brasileiro:

Considerar a complexidade da estrutura da CBO e suas naturais inconsistências redacionais é essencial para a aplicação razoável das disposições legais. Ignorá-las é incorrer em grave desvio interpretativo com prejuízos ao sistema jurídico e seus fins.

De tudo exposto, verifica-se que o decreto regulamentador buscou fixar padrão objetivo para definir as funções, estabelecendo a observância da Classificação Brasileira de Ocupações como critério.

Faz-se necessário adotar uma metodologia de análise para fixação das funções integrantes da base de cálculo. Propõe-se que seja seguido o seguinte procedimento:

1º passo: Familiarizar-se com a CBO.

O Ministério do Trabalho e Emprego disponibiliza a versão no sitio http://www.mtecbo.gov.br. No link "informações gerais" apresentam-se as orientações básicas para entender e manusear a CBO.

No link "busca no site" pode-se pesquisar por código de ocupação ou pelas denominações dos cargos. Encontrado o resultado da pesquisa passa-se a análise dos dados.

2º passo: Verificar o conjunto de atividades da família de ocupações em que se enquadra a função analisada.

Feita a pesquisa e identificada a família de ocupações, passa-se a pesquisar no link "áreas de atividades" em que são descritas o conjunto de atividades ou funções inerentes à família respectiva. Tais informações lançadas na CBO, frise-se, são referentes aos grupos ou famílias de ocupações genericamente consideradas. Confira-se caso da família ocupacional dos operadores de telefonia (CBO n. 4222) que é constituída por:

4222 : Operadores de telefonia

4222-05 - Telefonista - Operador de centro telefônico , Operador de mesa telefônica , Operador de PABX , Telefonista bilíngüe

4222-10 - Teleoperador - Operador bilíngüe (telefonia) , Operador internacional (telefonia)

4222-15 - Monitor de teleatendimento - Monitor de apoio ao teleatendimento , Telefonista-líder , Telefonista-monitor

4222-20 - Operador de rádio-chamada - Operador de rádio , Operador de radiotelefonia , Radioperador

Para este grupo, no link "áreas de atividades", temos as seguintes áreas que possuem cada delas um conjunto de atividades minuciosamente descritas na CBO:

Áreas:

A - ATENDER O CLIENTE

B - PRESTAR SERVIÇOS

C - FORNECER INFORMAÇÕES

D - OPERAR EQUIPAMENTOS

E - CADASTRAR INFORMAÇÕES

F - TREINAR FUNCIONÁRIOS

G - MONITORAR ATENDIMENTOS

H - ELABORAR ESCALAS DE TRABALHO

Y - COMUNICAR-SE

Ao consultar a CBO on line pode-se clicar em cada um das áreas para obter relatório das respectivas atividades. Nesta etapa, deve-se examinar quais das atividades relacionadas são de fato desempenhadas na empresa.

A constatação de que a maior parte das atividades elencadas na CBO possui certo grau de complexidade e ainda que corresponde à prática da empresa é um forte indicativo de que uma função exige formação profissional metódica, mas não é fator capaz de por si só implicar em inclusão na base de cálculo.

3º passo: Analisar especialmente o item da CBO referente à formação e experiência (Condições gerais de trabalho).

Neste passo, cumpre estudar os dados referentes à formação profissional exigida pelo mercado segundo a descrição da CBO.

Observe-se que ocupações guardam entre si similitudes, porém são evidentemente distintas no que tange ao conteúdo das funções exercidas na prática de cada uma delas. Ocorre que a descrição quanto a formação e experiência é feita para FAMÍLIA DE OCUPAÇÕES e não para cada uma das ocupações:

4222: Operadores de telefonia

Formação e experiência

Essas ocupações são exercidas por trabalhadores com escolaridade de nível médio, exceto a Telefonista para a qual é requerido, no mínimo, o ensino fundamental. A formação profissional ocorre com a prática de um a dois anos, no local de trabalho.

Pela descrição acima, poder-se-ia deduzir que não há exigência de formação profissional metódica para esta família. Entretanto como sustentar tal conclusão no caso do operador bilíngüe ou operador internacional para quais certamente não basta escolaridade de nível médio ou fundamental. Nem a formação profissional se dá exclusivamente prática no local de trabalho. Ao contrario há um notório grau de maior de complexidade.

Vejamos ainda os dados constantes na CBO quanto às funções de servente de obras de construção civil e pedreiro:

7170 / Ajudantes de obras civis (servente de pedreiro

Formação e experiência: Para o exercício dessas ocupações requer-se escolaridade que varia entre a quarta e sétima séries do ensino fundamental e curso de formação profissional básica com até duzentas horas-aula. O exercício pleno das atividades ocorre após menos de um ano de experiência profissional.

7152 / Trabalhadores de estrutura de alvenaria (Pedreiro)

Formação e experiência: O grau de escolaridade exigido para atuar como profissional dessa área é o ensino fundamental. O aprendizado, geralmente, ocorre no canteiro de obras ou ainda pode ser obtido em escolas de formação profissional da área de construção civil. Para o pleno desenvolvimento das atividades requer-se experiência entre um e dois anos. O grau de escolaridade exigido para atuar como profissional dessa área é o ensino fundamental. O aprendizado, geralmente, ocorre no canteiro de obras ou ainda pode ser obtido em escolas de formação profissional da área de construção civil. Para o pleno desenvolvimento das atividades requer-se experiência entre um e dois anos

Como já constatado, a amplitude da classificação realizada envolvendo diversas atividades ocupacionais, não guarda rigoroso padrão de descrição quanto ao tópico "formação e experiência".

Os trechos sublinhados revelam, v.g., um conflito entre a descrição do ajudante de pedreiro em que se afirma ser exigido curso de formação profissional básica com até duzentas horas enquanto que o pedreiro, ocupação notoriamente mais complexa, não apresenta idêntica menção, referindo-se somente a aprendizado, no canteiro de obras ou em escolas de formação profissional da área de construção civil sem referência carga horária.

Este exemplo é emblemático e corroborar a conclusão de que deve-se analisar a CBO com cautela e que não é questão simples definir as funções que exigem formação profissional metódica mesmo com suporte na CBO.

Como visto não há uma absoluta uniformidade de linguagem, constata-se que há três formas básicas de redação do campo "formação e experiência":

a) a CBO não faz indicação de exigência de curso formação (assim como no caso do operador de telefonia).

b) a CBO menciona exigência de curso formação sem referir a uma carga horária necessária (por exemplo, no caso do pedreiro).

c) indica-se que há exigência de curso formação com referência de carga horária necessária (v.g., no caso do servente de pedreiro).

Diante desta constatação, urge investigar parâmetros para interpretação e aplicação da CBO.

É indispensável distinguir as três situações citadas.

a) A não indicação de exigência de curso formação:

Nesta hipótese, a informação de que a formação se baseia na experiência prática apenas é forte indício no sentido de excluir do cômputo da cota de aprendizes. No entanto é preciso cautela, não devendo ser automaticamente excluída, cabendo pesquisar o grau de complexidade das atividades.

A exemplo do caso da telefonista bilíngüe, deve-se verificar se uma ou mais das ocupações de fato exigem, contrariamente, formação de maior complexidade.

Os princípios jurídicos norteadores a serem considerados são o da primazia da realidade e da razoabilidade.

A lei n. 9784/1999 fixa normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta, visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração. Aplicando-se toda atuação de agentes públicos fora da esfera judicial quer do Executivo ou do Ministério Público.

A referida lei estabelece no parágrafo único do art. 2º:

Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:

I - atuação conforme a lei e o Direito;

XIII - interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.

Certamente, a interpretação diversa tendente a incluir de modo generalizado de toda e qualquer função não se coaduna com o atendimento do interesse público porque não interessa ao Estado cometer injustiças e ilegalidades, impondo ao empregador obrigação excessivamente onerosa em descompasso com as finalidades do instituto da aprendizagem profissional.

b) A referência a exigência de curso formação sem referir a carga horária.

Todas as observações feitas na hipótese anterior são válidas também na situação acima.

c) Menção a exigência de curso formação com referência de carga horária necessária (no caso do servente de pedreiro).

Neste caso, propõe-se como diretriz que seja observado como número de carga horária mínima para incluir dada ocupação na base de cálculo a referência do CBO a carga horária mínima de 200 horas. Vejamos os porquês.

Na legislação trabalhista brasileira, não há muitas normas relativas à formação ou qualificação profissional. Uma das raras disposições encontra-se no caput do art. 476-A da CLT de modo especifico sobre o tema ao preceitua:

Art. 476-A. O contrato de trabalho poderá ser suspenso, por um período de dois a cinco meses, para participação do empregado em curso ou programa de qualificação profissional oferecido pelo empregador, com duração equivalente à suspensão contratual, mediante previsão em convenção ou acordo coletivo de trabalho e aquiescência formal do empregado, observado o disposto no art. 471 desta Consolidação.

A norma transcrita traz em si a consideração de que para qualificar um trabalhador adulto são necessários 2 a 5 meses no mínimo, sendo perceptível que o tempo é variante fundamental na identificação das funções cuja formação seja metódica e progressivamente desenvolvida na proporção da complexidade da formação exigida pela ocupação.

Propõem-se como indicativos de que a função demanda formação profissional metódica: o período mínimo de duração do curso seja de 2 meses o que equivale a uma carga horária mínima de 220 horas. Obtém-se esta dedução:

a) aplicando-se analogicamente o preceito do art. 476-A da CLT que se refere a 2 meses como período mínim necessário a uma formação ou qualificação profissional de um adulto;

b) considerando que a jornada de um aprendiz deve ter compatibilidade com as atividades escolares, implicando, em geral, uma jornada equivalente a metade da jornada normal de um trabalhador adulto de 220 horas mensais, ou seja, 110 horas mensais, totalizando, em 2 meses, 220 horas;

Esta dedução se baseia também na prática encontrada pelas órgãos integrantes dos sistemas nacionais de aprendizagem comercial e industrial (SENAC e SENAI) cujos cursos tem tido duração que variam de 6 a 24 meses.

4º passo: Cálculo da cota legal de aprendizes a serem contratados.

Nesta fase final, deve elaborar dois quadros: um geral em que constem todos os cargos e um segundo em que sejam identificados os cargos cujas funções exijam formação profissional metódica.

Por fim, totalizado o número de trabalhadores, calcula-se o percentual de 5%, tendo-se assim a cota de aprendizes legalmente exigida.

6. CONCLUSÃO.

O objetivo do contrato de aprendizagem é assegurar uma formação profissional moderna e adequada às necessidades do mundo do trabalho, tendo amplo potencial para ser fator de desenvolvimento do país. Tem fundamento constitucional na função social da propriedade com benefícios sociais e econômicos.

A Constituição vigente assegura o direito à profissionalização e estabelece também como finalidade da educação o pleno desenvolvimento da pessoa e sua qualificação para o trabalho.

A identificação das funções que devem integrar a base de cálculo da cota legal de aprendizes não tem sido tarefa fácil. A CBO é parâmetro geral de identificação. Entretanto a pluralidade de sujeitos elaboradores da classificação e sua ampla extensão de codificação conduzem a indefinições naturais e inevitáveis.

Por isso a CBO deve ser considerada como meramente indicativa. Devendo-se adotar um procedimento que sustente em parâmetros seguros, sendo indicativos fortes de que a ocupação demanda formação profissional metódica:

a) certo grau de complexidade da ocupação examinada;

b) necessidade de um programa metódico e progressivo de formação;

c) formação profissional obrigatoriamente constituído de atividade teóricas e práticas;

d) adequação da formação profissional ao mercado de trabalho;

e) duração mínima do programa de formação de dois meses ou carga horária equivalente a 220 horas.

Finalmente, enfatize-se que os princípios da primazia da realidade são balizadores de todo processo de análise da CBO. Ao aplicar as normas legais pertinentes, cabe notar as peculiaridades de cada caso, não se constituindo em verdades absolutas os parâmetros apresentados.



Essas conclusões se afiguram inteiramente procedentes. A CBO é instrumento valioso, a ser utilizado com respeito à natureza do instituto da aprendizagem e aos limites impostos tanto constitucionalmente quanto pela própria CLT, notadamente no que diz respeito ao conceito de formação metódica profissional como aquela “formação metódica mais prolongada”, que de fato beneficia o aprendiz com chances reais de colocação no mercado de trabalho a partir da obtenção de conhecimentos de um verdadeiro ofício ou profissão. De outro modo, a aprendizagem poderá ser utilizada simplesmente para propiciar ao empregador mal intencionado a utilização de mão-de-obra barata, e sem qualquer benefício para o aprendiz, que ao final do curso de aprendizagem será portador de qualificação para funções que, na prática, nada ou pouco exigem. Voltamos aos exemplos dos cobradores, balconistas, cortadores de cada, operadores de telemarketing, office boys, que, por não demandarem formação profissional, não podem nem integrar a base de cálculo, nem sujeitar-se a cursos de aprendizagem.

Fomentar, ou mesmo permitir a interpretação que vem sendo dada ao tema de forma aparentemente majoritária no âmbito do MTE (no RS ao menos) ainda significaria deixar de ampliar os horizontes e chances de progressão dos jovens que viessem a ser submetidos não a uma aprendizagem séria, mas a verdadeiro simulacro que os manteria presos, especialmente aqueles menos favorecidos, a quase inexistentes possibilidades de ascensão social.

No caso da empresa representada, a informação constante do documento anexo ao auto de infração, que figura à folha 04, é a de que os empregados que compõem a base de cálculo exercem as funções seguintes: 4142-15 Conferente de carga e descarga, 4222-05 Telefonista, 7822-20 Operador de empilhadeira, 7825-10 Motorista de caminhão, 5143-20 Faxineiro, 7832-15 Carregador, 7832-25 Ajudante de motorista, 3541-30 Promotor de vendas, 4110-05 Auxiliar de escritório, e 4110-10 Assistente administrativo.

Considerando-se os parâmetros já referidos nesta deliberação, em especial aqueles constantes do artigo parcialmente transcrito, é indevida a inclusão de tais funções na base de cálculo da cota de aprendizagem.

A função de conferente de carga e descarga reclama curso profissionalizante de até duzentas horas, o que é inferior às 220 horas mínimas exigíveis em caso de aprendizagem. A função de telefonista não reclama qualquer qualificação prévia: basta que o trabalhador tenha ensino fundamental. Está na CBO: “A formação profissional ocorre com a prática de um a dois anos, no local de trabalho”. A função de operador de empilhadeira exige, tal como o conferente de carga e descarga, curso básico de qualificação profissional em torno de duzentas horas. O motorista de caminhão (rotas regionais e internacionais), de acordo com a CBO, requer cursos básico de qualificação, não havendo ali a indicação da carga horária. Mas tal profissão exige qualificação legal específica, ou seja, carteira de habilitação que não pode ser obtida com a aprendizagem. Em relação ao faxineiro, a CBO textualmente indica que para o seu exercício requer-se ensino fundamental completo “ou prática profissional no posto de trabalho”. É mesmo difícil imaginar curso de aprendizagem para a função de faxineiro. O ajudante de motorista, de igual forma, não requer nenhum escolaridade ou curso de qualificação, segundo a CBO. A função de promotor de vendas especializado reclama cursos e treinamentos de até duzentas horas, situação idêntica à das funções de auxiliar de escritório e de assistente administrativo.

Portanto, é a “consideração” da CBO que demonstra que, a despeito de o MTE ter incluído a afirmação de que tais funções integrariam a base de cálculo no seu texto, é impossível se aceitar que tais funções estariam sujeitas à aprendizagem.



É ilegal, portanto, a interpretação adotada pela fiscalização do trabalho, pois a representada, pelo perfil informado no próprio auto de infração acerca de seus empregados e considerada as informações da CBO sobre as funções nela existentes, não precisa contratar aprendizes na quantidade exigida pela fiscalização.

Assim, promovo o liminar encerramento do presente expediente, indeferindo a instauração de inquérito.

Ciência à empresa representada, no endereço existente nesta capital, e à SRTE/RS, com cópia.

Publique-se esta decisão tanto na Internet quanto no mural próprio desta Procuradoria.

Após, ao arquivo.

Em 13 de outubro de 2010.


Ivo Eugênio Marques
Procurador do Trabalho